quinta-feira, 22 de maio de 2008

QUEM É VOCÊ PRA ME DIZER ISTO?

Com freqüência, recebo no consultório pacientes jovens que são trazidos pelos pais para iniciar tratamento contra sua vontade. Apresentam comportamentos que claramente lhes trazem prejuízos, como abuso no uso de drogas, participação em pequenos delitos, impulsividade para comer ou desinteresse pelos estudos. Normalmente os pais pedem para falar antes, sem que os filhos saibam, para poder revelar o verdadeiro motivo da procura pelo tratamento. Só conseguem que os filhos aceitem passar pela consulta dizendo a eles que trata-se apenas de uma conversa para orientação. A procura por um profissional ocorre somente depois que os prejuízos são tantos que outras pessoas, como professores, amigos ou parentes próximos começam a pressionar os pais. Há a expectativa de que as intervenções sejam as mais breves possíveis, de preferência um remédio mágico que eliminasse a atitude prejudicial como se retira uma unha encravada. Para estes pais, seria ideal que houvesse a possibilidade de uma associação precisa entre um determinado comportamento e uma região microscópica do cérebro. Assim, bastaria removermos esta área e seus filhos estariam curados, sem maiores exigências.

Explico que comportamentos não são como bolhas que, de repente, surgem na pele. Ao contrário, eles estão relacionados a um lugar que os filhos tentam ocupar na vida e um tratamento, para ser eficaz, exige uma mudança desta posição. Acrescento que comportamentos encontram suporte em uma cultura familiar e que uma boa resposta terapêutica implica uma alteração nesta estrutura. E a mudança pode ter início tanto nos filhos como nos próprios pais. Se o filho não aceita o tratamento, tratar um dos pais ou os dois pode ser o começo. Neste momento, ao se fazer esta proposta, descobre-se que a resistência em se tratar não era apenas dos filhos.

Muitas vezes, após o início do tratamento, os filhos seguem encontrando, em casa, condições para manter suas atitudes danosas . Já recebi pais que continuavam a dar dinheiro para seus filhos mesmo sabendo que eles o usariam para comprar drogas. Alegam que tinham medo de contrariá-los, de estar sendo autoritários ou de ser alvo de ameaças caso não cedessem. Esquecem que temer uma ameaça é a principal condição para que ela persista. Outros pais, subitamente e sem nenhuma explicação convincente, tiram seus filhos do tratamento justamente quando este começa a apresentar bons resultados.

É como se existisse entre pais e filhos um acordo narcisista. Eu não mexo na sua ferida e você não mexe na minha. Não posso dizer que você está se acabando nas drogas porque, se fizer isto, vou ter que ouvir que também tenho meus vícios, que não fui um pai ou uma mãe presente, que não dei as mesmas condições de conforto econômico que outros pais, que traí sua mãe ou que depois que seu pai foi embora não consegui me refazer afetivamente. Fazer uma crítica ao outro é saber que o outro também pode criticar você. Então, é melhor ficar calado.

O temor em criticar é algo disseminado em nossa sociedade. As críticas perderam seu peso, sua importância. Se alguém, como um artista, recebe uma crítica desfavorável, em seguida desqualifica o crítico. Ele é invejoso, frustrado, não aceita o sucesso alheio. Não queremos saber das opiniões dos outros, principalmente se aquele que as emite o faz a partir de uma posição de suposta autoridade. Pais, amigos, terapeutas ou cônjuges, ninguém ousa falar algo que vai ser mal recebido, ainda que diante de uma evidente decadência pessoal. Só se fala o que suponho que o outro quer ouvir. As opiniões devem ser sempre agradáveis, principalmente se veiculadas na mídia. Quando se emite uma crítica é para culpar os outros, o governo, o Bush, a falta de segurança, etc. O ouvinte nunca tem responsabilidade, é sempre uma vítima. Assim, presenciamos um mundo sem ousadia, de opiniões assépticas que só servem para passar o tempo.

Mas a pior conseqüência é acharmos que conosco está tudo bem , que não precisamos mudar. Se ouvimos apenas elogios, ficamos presos em uma bolha imaginária que os outros nos fornecem, repetindo nossos vícios, às vezes até nos destruirmos. O espaço à nossa volta está em constante mudança. Se não nos renovamos, se sempre reagimos da mesma forma, vamos perecendo.

A importância de uma crítica não está tanto em seu conteúdo. Não se trata de uma disputa de verdades, como no passado, quando cada um tentava impor a sua verdade sobre o outro. Se não temos mais uma autoridade que nos garanta o que é certo ou errado, se não existe uma opinião última, suprema, não que dizer que opiniões não valem para nada. Um crítica pode servir para nos incomodar, para percebermos que a imagem que temos de nós é incompleta.

Uma crítica pode ser autoritária se for a imposição de uma opinião. Mas ela pode ser, também, a oferta de uma escolha, de um caminho novo. Precisamos que os outros nos tragam suas soluções, precisamos das invenções alheias. Se pais têm a coragem de ir além do seu conforto narcisista e conseguem, assim, criticar seus filhos, podem dar a eles a possibilidade de mudar. Além disto, podem receber a mesma liberdade de se reinventar. Para ambos, uma necessária vitalidade.

Um comentário:

Unknown disse...

Olá,

gostei muito do seu texto. Acho importante haver o espaço para crítica, no sentido de outras visões que podem ampliar, complementar e, assim, favorecer o crescimento de cada um. Queria perguntar no entanto sobre o excesso de críticas, pessoas que têm um padrão tão alto em relação a um determinado assunto que o convívio acaba ficando difícil. Por que o excesso? O que motiva este comportamento?

Obrigada,
Renata.