sábado, 23 de agosto de 2008

O ESPORTE FAVORITO DAS MULHERES

Uma piada conhecida diz que o esporte favorito dos homens é o futebol. E o das mulheres? Não, não é o vôlei. É o caratê. O cara “tê” cartão de crédito, carrão, grana no banco. Outra piada afirma que quem gosta de homem é gay. Mulher gosta é de dinheiro.

Apesar de taxá-las de interesseiras, nunca vi nenhuma mulher ficar indignada ao ouvir estas anedotas, como ocorre quando o alvo da brincadeira é a capacidade intelectual delas. Normalmente elas comentam que isto é uma bobagem, mas, no final, soltam um riso contido, porém malicioso e ameaçador, como quem, no fundo, concorda com tais afirmações.

É como se elas soubessem que apesar da aparência machista e preconceituosa contra as mulheres, o alvo de tais crenças, os grandes prejudicados, na verdade são os homens. Elas, talvez de maneira intuitiva, percebem que, assim, aprisionam os homens ao imaginário de que eles só valem pelo que têm. Deste modo, eles se sentem avaliados em uma escala que os qualifica de menos ou mais homem. Ser homem não é uma condição estanque e determinada, mas varia de acordo com o que se tem na vida.

Para conquistar uma mulher e se sentir homem, é preciso que eu tenha o corpo sarado, muito dinheiro ou sucesso. E se uma aquisição não for suficiente para a conquista, tenho que tentar outra. Os homens estão sempre querendo descobrir o que as mulheres querem que eles tenham para que elas possam se interessar por eles. Diante desta dúvida, estão sempre achando que seu caminhãozinho é insuficiente.

Podemos nos perguntar se as mulheres também não vivem o mesmo dilema, se elas não pensam no que devem ter para conquistar um homem.

No passado, o ideal de realização de uma mulher era encontrar um bom marido, ter filhos e criá-los com todos os cuidados possíveis. Para arrumar o seu homem, a mulher tinha de possuir os predicados de uma boa mãe e principalmente ser de boa família, o que, em outras palavras, queria dizer quem era o pai dela. Uma mulher era sem posses. Tudo o que tinha pertencia aos seus homens: pais, maridos, filhos. O sobrenome, os bens materiais, o sustento. Elas vivam não para ter ou conquistar, mas para cuidar dos outros. Se fugiam deste modelo e buscavam ganhar seu próprio dinheiro e fazer a sua própria vida eram, então, classificadas como putas. Talvez as piadas acima busquem isto. Dizer que as mulheres, ao serem interesseiras, são putas.

Hoje as mulheres não se importam tanto em ser associadas às meninas da vida. De alguma forma, até estimulam isto fazendo cursos de strip-tease ou de pole dance. Na sociedade em que vivemos, os papéis entre homens e mulheres estão cada vez mais parecidos, com mulheres desempenhando as mesmas funções profissionais que os homens, às vezes ganhando mais do que eles. Neste mundo, também as mulheres se perguntam sobre que atributos devem ter para conquistar o outro.

E toda promessa de realização que o mercado oferece tem exatamente este estímulo. Tenha juventude, beleza, saúde e sucesso adquirindo os nossos produtos. Assim, poderá conquistar a pessoa que ama e ser feliz.

Porém, repetimos esta receita de sedução e não conseguimos alcançar o resultado prometido. E, quando não conseguem fisgar a pessoa que querem, homens e mulheres caem em pensamentos obsessivos sobre o que lhes faltou para que desse certo o encontro. Ficam confabulando sobre o que o outro teria para conseguir conquistar a pessoa que você quer. Fantasiam um ladrão cheio de atributos, perfeito e pleno. E sentem-se menos homem ou menos mulher. Acreditam-se destinados ao fracasso amoroso, tendo que se contentar com as sobras que lhes aparecem. Na lógica do ter para ser amado, ficamos sempre com a sensação de que estamos aquém da felicidade.

Os atributos, o que nós temos, podem ser uma isca para atrair quem desejamos. Mas eles só funcionam enquanto estão distantes e ainda envoltos em uma atmosfera enigmática. Quando nos aproximamos da pessoa idealizada, percebemos que suas posses não eram bem o que queríamos, que elas não são suficientes para nos despertar paixão. Nada mais broxante do que alguém que fica o tempo todo exibindo para o outro as suas conquistas, crente que isto o fará amado. Quem é assim, quem acredita que seu valor está em seus pertences, só atrai aqueles que, no fundo, espera: pessoas interessadas apenas em usufruir ou, se possível, tomar os seus bens. Amor, paixão, nem pensar. Se perdem as coisas que têm, desaparecem, também, os que lhe são próximos. Então, vivem em constante paranóia, sempre desconfiados da real intenção alheia, sempre com a expectativa da perda.

No final, aqueles que mantêm a crença do ter para ser amados descobrem, indignados e surpresos, que a pessoa querida escolheu um outro “despossuído”. Como pôde me trocar por alguém mais pobre, burro, velho ou feio? Passam a desqualificar a amada dizendo que ela não os merecia, que agora descobriram que ela não prestava. Pura mentira. Não desistem da sua crença e insistem em descobrir a receita de sucesso do outro: ele deve ser bom de lábia ou de cama.

Os devotos do ter para ser feliz no amor passam a vida na insatisfação amorosa. Consideram que as pessoas com quem mantêm relacionamentos não são seus verdadeiros amores, e que ainda vão encontrar a sua cara-metade. Na velhice, ficam com a sensação de que determinada pessoa que perderam teria sido o seu grande amor, que deixaram escapar a oportunidade de ser feliz que a vida lhes deu. Mas, talvez, encontrem o amor desperdiçado depois da morte no paraíso. Neste modelo, só se pode ser feliz quando há uma distância permanente da pessoa desejada. Ou será num futuro que nunca vem ou num passado para todo perdido ou num além imaginário.

Mas poderíamos prestar mais atenção aos nossos próprios sentimentos e nos perguntar quando é que nos interessamos por alguém, como foi que ficamos apaixonados e amamos alguém. Será que foi pelo que esta pessoa tinha?

Quando estamos interessados em uma pessoa que nos parece cheia de qualidades, como torcemos e ficamos felizes quando encontramos pequenos defeitos ou deslizes nelas. Buscamos insistentemente uma falha, uma cicatriz, um cabelo branco, alguma coisa fora do lugar. Não amamos pessoas perfeitas ou ideais. Não amamos deuses ou deusas. Adoramos perceber uma carência, algum tormento ou mal-estar no outro.

Mas, aí, jogamos uma armadilha. Apontamos para a pessoa a falha que descobrimos nela. Se ela, deste modo, reage séria e envergonhada, se fica querendo nos agradar dizendo que vai se corrigir, cai automaticamente na lógica do ter, do sentir-se menos. Neste momento, o encanto se quebra. Entretanto, se respondemos de um outro lugar, se assumimos a falha, se não nos acanhamos ou até brincamos com ela, a pegadinha não funciona. Ficamos, assim, livres e sensuais aos olhos alheios.

Homens e mulheres são atraentes e podem amar se conseguem responder a pergunta do que eu sou não pelo que tenho.

O problema de dizer quero que gostem de mim pelo que eu sou e não pelo que eu tenho, é que nunca conseguimos responder com um mínimo de precisão a esta pergunta: quem eu sou? Toda vez que tentamos respondê-la, caímos na armadilha de nos definir pelo que temos. Qual o nome que tenho, qual a profissão ou quais qualidades ou defeitos possuo. E, em nenhum momento, nos convencemos da resposta. Fica sempre parecendo que algo ficou de fora, que não é bem isto. Nesta hora, poderíamos compreender que o mais próximo que chegamos da resposta ao que eu sou é percebendo que somos um enigma para nós mesmos. Que nenhum nome ou qualificação dá conta de nos explicar. De que nenhuma posse nos completa e nos define, pois, se não sei exatamente o que sou, também não sei com precisão o que quero. Desta maneira, conseguimos escapar do eu sou pelo que eu tenho, por aquilo que me é exterior.

Mulheres lidam melhor com a idéia de poderem ser não pelo que têm. Já os homens ficam mais perdidos e angustiados. Acham que, desta forma, sua masculinidade está em risco. Consideram que é melhor ser menos homem no modelo do ter do que não ser homem algum. Seriam mais livres e mesmo mais masculinos se arriscassem acreditar que ser homem não é algo definido, que demanda invenção. Que não são só as mulheres que têm de ser enigmáticas para conquistar um homem. Homens, também, têm de ser indefiníveis para despertar o amor de uma mulher. Têm que ter falhas, buracos, alguma inocência, alguma infantilidade.

Não tendo uma resposta precisa para o que somos, conseguimos fugir de qualquer tentativa de nos fazer objetiváveis, de sermos aprisionados em uma definição dos outros e perdermos a nossa liberdade e nossa capacidade de sedução. Se podemos nos dizer humanos, se temos algum valor, é por termos um desejo sempre presente. Do contrário, viramos meros objetos desprezíveis.

E o encontro feliz entre duas pessoas só ocorre se as duas se permitirem estar e perceber o outro no lugar de enigma.

Afinal, o que é amar, se não a possibilidade de vivermos uma experiência misteriosa, que nos desloque da realidade, da norma, do convencional. Um encontro que, assim, nomeamos de mágico.

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