sábado, 15 de novembro de 2008

BARACK HUSSEIN OBAMA E A GLOBALIZAÇÃO

O presidente eleito dos Estados Unidos é filho de um queniano, nasceu fora do continente americano (no Havaí), morou um tempo na Indonésia e tem um nome que remete tanto à África e a países islâmicos quanto aos dois principais malfeitores do governo que vai suceder: Saddam Hussein e Osama Bin Laden.

Mais do que permitir que o primeiro negro (ou mulato) chegasse à presidência, a maior importância desta eleição talvez esteja na associação de Obama com países pobres e alguns classificados pelo seu antecessor como integrantes do eixo do mal. Sua vitória foi comemorada entusiasticamente não só nos EUA, mas em toda periferia do mundo.

Não sei se ele dará crédito aos dados biográficos que o ligam à parte marginalizada do planeta. Poder ser que tente ignorá-los e governe apenas com o objetivo de atender aos interesses norte-americanos. Se agir assim, Obama estará cometendo um erro grave. O engano está no fato de que a saída para a atual crise mundial pode depender da eliminação das diferenças econômicas e morais entre os diversos países.

A eleição de Obama mostrou que, em uma nação anteriormente tida como racista, a cor do candidato não importa mais. A escolha de um negro para o cargo mais importante do planeta nos diz que a maioria das pessoas não acredita no fator raça como algo que realmente represente uma divisão significativa entre os seres humanos. Significativa no sentido de poder-se dizer que determinada raça seja superior ou inferior a outra. Que se possa classificar alguém como melhor ou pior tendo em vista a sua origem racial.

Mas a vitória do filho de um queniano deveria também indicar que outra divisão já não convence mais no sentido de se poder estabelecer separações hierárquicas entre os indivíduos que habitam o planeta: a nacionalidade de cada um.

Do mesmo modo que não existem mais argumentos com um mínimo de validade para atestar que brancos, negros ou amarelos sejam melhores uns que os outros, não se pode mais defender que iranianos sejam superiores ou inferiores a noruegueses.

Assim como as diferenças entre raças são apenas superficiais e aparentes, as diversas nacionalidades também não diferem em sua essência e nas suas condições de desenvolvimento. Independente de onde se tenha nascido e da cultura herdada, a globalização mostrou que as potencialidades humanas são as mesmas. E, se cai por terra a crença na hierarquia de nacionalidades, tem-se como conseqüência lógica a queda também dos indicadores que apontam que uma nação é melhor ou pior que outra: a divisão entre países ricos e pobres, a divisão entre países do bem ou do mal.

A globalização, ao contrário do que muitos pensam, talvez seja mais a eliminação das separações hierárquicas entre as nações do que a imposição do capitalismo sobre todos os povos. Uma imposição que tenderia só a aprofundar a distância entre ricos e pobres. O que se globalizou foi a percepção de que todos podem ter o direito de mudar de vida sem levar em conta as condições fixas do nascimento. Aquilo que se afirmou entre os norte-americanos acabou por se difundir como um desejo mundial: o indivíduo pode ser responsável por inventar a sua história. Que nenhum fator geral como raça, etnia, nacionalidade, crença religiosa ou aspecto físico significa uma limitação real à mudança e ao desenvolvimento de uma pessoa.

Não se resolverá a crise atual mantendo as restrições e os protecionismos que impedem que os diferente países possam permitir aos seus cidadãos melhorar de vida. Não dá mais para conter o movimento legítimo que demanda o fim da divisão da riqueza mundial . Não é mais possível a defesa apenas dos interesses nacionais. Pensar antes em seu país representa hoje uma obscenidade. A globalização fez os EUA serem toda a terra. E Barack Obama deveria aceitar o que a imprensa mostrou: que ele não foi eleito só pelos EUA mas por todo o planeta.

É possível que tenha acabado a era de países imperialistas, hegemônicos, das potências mundiais.

A própria questão ecológica mostra que os efeitos das economias locais são globais. Para se pensar regionalmente deve-se levar em conta o que está sendo feito em todo o planeta. E se não temos recursos naturais ou capacidade ambiental para que todos os terráqueos tenham as mesmas condições de consumo que americanos ou japoneses, temos de repensar a idéia de que a satisfação está no acúmulo de bens e passar a apostar que ela possa estar mais no uso do que temos. Um mundo cuja felicidade está na aquisição sem fim de produtos é uma mundo ainda destinado a manter a hierarquia entre privilegiados e deserdados.

No futuro, com as quedas de fronteiras e a livre circulação dos indivíduos, talvez as pessoas possam viver sob bandeiras diversas, competir nas Olimpíadas sob variados nomes ou classificações. Mas estas divisões representarão o mesmo que uma divisão entre flamenguistas, corintianos ou colorados. Não se pode fazer qualquer afirmação sobre algo preciso que os diferencie, de características comuns que os definam enquanto grupo. Que a única diferença seja a escolha individual por determinado clube, o fato de se estar em determinado momento sob a mesma bandeira.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

ENSINAR E ESTUDAR: OBRIGAÇÃO X PRAZER

Li que o atual governo da Itália está promovendo o retorno de métodos de avaliação mais rigorosos no sistema de educação do país. Os estudantes voltarão a ser avaliados por pontos, de 0 a 10, ao contrário do atual método que, de modo genérico, apenas classifica o desempenho de cada aluno como insuficiente ou suficiente. No novo modelo, uma parte dos pontos será dada de acordo com o comportamento do estudante em sala de aula. Os bagunceiros e arteiros deverão ser punidos em nome da boa disciplina. E, se os resultados ainda se mostrarem aquém do esperado, talvez o sr. Berlusconi opte por um rigor ainda maior, ressuscitando palmatórias e, quem sabe, o ordeiro método de deixar alunos rebeldes ajoelhados sobre grãos de milho (não sei se na Itália existem varas de marmelo).

A reforma italiana não é uma iniciativa isolada do governo, mas atende a uma demanda dos assustados professores do país, que não sabem mais o que fazer contra a truculência e a violência dos jovens estudantes sem limites. Esta queixa não é só dos educadores italianos, mas parece comum em todos os lugares em que foram adotados modelos de ensino mais liberalizantes com menor rigor na avaliação. Em várias cidades do Brasil, por exemplo, é freqüente o relatos de professores estressados com a indisciplina ou mesmo com as ameaças de agressões físicas por parte do alunos.

É um esquema que temos visto de uma forma geral no mundo de hoje: queda de modelos autoritários, maior liberdade, medo da liberdade, tentativas de retorno dos sistemas autoritários. Dá-se um passo para frente e depois outro para trás. Assim, corre-se o risco de jamais sair do lugar. E o que fica parado, em nosso ambiente em constante mudança, tende a perecer. A capacidade de adaptação e sobrevivência está na habilidade de mudar.

Talvez o problema dos modelos liberalizantes implementados esteja muito mais no que eles ainda carregam dos sistemas tradicionais do que em seu objetivo de criar condições de relacionamentos humanos que não passem pela arbitragem de uma autoridade, em sua essência de liberdade e de responsabilidade individual.

Na educação, por exemplo, por mais que tenha diminuído o poder dos professores nas salas de aula e por mais democráticas que sejam as novas pedagogias, elas ainda se sustentam sobre o mesmo sentimento de dever e de obrigação dos modelos rigorosos do passado.

No sistema tradicional, os estudantes têm a obrigação de estudar para tirar boas notas e passar de ano para alcançar o objetivo final de ser uma pessoa honrada na sociedade. Eles têm o dever de atender o que os pais esperam deles. O ato de estudar é sempre movido por uma ameaça, pelo medo de ser punido caso não se tenha um bom desempenho. O professor, assim como um pai, é uma autoridade investida de poder, deve ser respeitado e temido. O conhecimento e o saber são vistos como uma imposição, como algo ruim e difícil que se deve engolir para se atingir um objetivo maior que é tornar-se um individuo socialmente reconhecido.

Estudar, neste modelo, é um esforço doloroso e árduo, mas que poderá trazer aos que se submeterem a ele recompensas futuras. O aluno deve apenas memorizar o conteúdo pronto que lhe é dado, não interessando os questionamento sobre os ensinamentos apresentados. O saber está do lado apenas dos professores, sendo o aprendiz como uma caixa vazia a ser preenchida pelo conhecimento acabado dos seus mestres. Se algo não vai bem, a culpa é exclusiva do aluno que não se dedicou como deveria. A forma de se corrigir isto é com uma boa punição, um castigo severo. O professor é colocado em um lugar divino e os estudantes no de potenciais pecadores.

Passamos deste modelo autoritário para outro que preconiza maior respeito aos estudantes. Cada aluno tem o direito de ser ouvido em seus questionamentos e as relações devem ser mais igualitárias, sendo o poder dos professores sujeito a limites. São proibidos castigos físicos e mesmo aqueles verbais que representem um ofensa moral ao aluno. Se o desempenho não é o desejado, deve-se avaliar a responsabilidade por isto em algo externo ao próprio estudante. Pode ser um problema social como a pobreza, familiar como abusos violentos cometidos pelos pais, alguma doença ou condição física não diagnosticada como dislexia ou, quem sabe, professores mal preparados. Pelo visto, este último parece ser o alvo cada vez mais freqüente nos diagnósticos das falhas educacionais de hoje.

A culpa deixou de ser dos alunos, que sempre são encarados como vítimas, e passou para o lado dos educadores. Os professores devem dar aulas de acordo com métodos padronizados, seguir as receitas pedagógicas estabelecidas e, do mesmo modo que seus aprendizes, ser avaliados por medidas quantitativas. Não há espaço para a habilidade individual, para a criatividade de cada um.

Os modelos liberalizantes ainda mantêm, mesmo que invertida, a mesma divisão entre culpados e inocentes do modelo tradicional. Ser professor passou a ser sinônimo de uma vida profissional sofrida e estressante. Os alunos se transformaram em pequenos tiranos.

Outro fator comum tanto no método tradicional quanto no democrático é que eles colocam o saber, o aprendizado, apenas como um meio de se atingir algo mais importante na vida. O valor e a satisfação não estão no conhecimento, mas nas recompensas que ele pode trazer. Estuda-se e sacrifica-se pensando que, desta maneira, será possível ter uma profissão importante, ganhar dinheiro, adquirir bens de consumo e ser reconhecido socialmente.

O professor não é mais uma autoridade temida, mas um empregado contratado que, assim como as matérias estudadas, é somente uma ferramenta para se alcançar o sucesso esperado. Diante deste cenário não se pode estranhar a pouca valorização atual dos professores em relação a outros profissionais.

Mas a tentativa de ressuscitar a autoridade de professores por meio de avaliações mais rigorosas e da ameaça de punição pode se mostrar totalmente ineficaz. Deve-se levar em conta que os educadores, assim como todas as demais autoridades, perderam seu poder e status porque a história nos mostrou que seu saber não era pleno, mas cheio de falhas. Percebeu-se que as avaliações são sempre subjetivas, mesmo que tenham uma aparência matemática e objetiva, e que elas respondem a caprichos sobre os quais a própria pessoa que as aplica não tem pleno conhecimento e controle. Não se pode recuperar a crença na infalibilidade dos mestres apenas pelo medo de receber punição. Seria pedir aos estudantes para que eles fossem idiotas. Além disto, uma aposta nos números, em uma tentativa de objetivar as avaliações, só fará com que o conhecimento continue sendo encarado como uma obrigação, um mal necessário e, desta forma, continuaremos tendo professores e ensino desvalorizados.

Talvez a melhor forma de seguir em frente e não ficar retrocedendo a toda hora seja apostar em uma maneira de tornar prazerosa a experiência do conhecimento. Para isto, é necessário que o saber tenha um valor em si, que ele traga satisfação, que ele seja a própria recompensa. Para tanto, as falhas e os buracos no conhecimento trazido pelos professores deveriam ser interpretados não como um erro, um problema, mas como um convite para a contribuição de cada estudante. O conhecimento, desta forma, é visto como um projeto inacabado, mas nem por isto ruim. Ao contrario, é nesta falta de completude que se encontra o seu encanto.

Ao se colocar o valor não no acúmulo de saber mas no seu uso, na possibilidade da sua invenção, o aluno se sente incluído e responsável. De um aprendiz oco, passa a ocupar o lugar de um pesquisador iniciante. Em vez de uma obrigação, aprender, assim, pode se tornar um prazer, uma brincadeira séria.

Tanto professores quanto alunos deixam de ficar se culpando um ao outro por seus fracassos e podem passar a se perceber como parceiros.

O problema de se tentar um ensino por prazer e não por obrigação é que se precisa de professores que sustentem esta possibilidade. De educadores que não temam a liberdade dos seus alunos, que não queiram ser respeitados e temidos, mas admirados pelo seu encanto em relação ao saber, que não fiquem presos às ameaças ao seu lugar imaginário de poder. Professores que saibam que seu valor não está tanto no conhecimento que portam, mas nos seus exemplos de entusiasmo, que apostem que ensinar está muito mais próximo de contagiar do que de cobrar.

Professores que ditam conhecimento e que esperam que seus alunos aprendam por obrigação formam indivíduos sempre dependentes de um outro que lhes diga o que é o melhor a ser feito. Pessoas que serão eternos estudantes imaturos.

Professores que escolham fazer do saber uma invenção e compartilham prazer ao ensinar formam indivíduos criativos, que não se frustram nem desanimam diante das incertezas com as quais se deparam na vida. Pessoas que tomam para si a responsabilidade pelo conhecimento.