quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

VICKY CRISTINA BARCELONA E EU?

Quem assistiu ao filme de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona, em cartaz na cidade, pode ter saído do cinema com vários questionamentos.

As mulheres se perguntando se são realmente felizes em seus relacionamentos, se também não deveriam experimentar uma aventura amorosa como a vivida pelos personagens do filme. Os homens incomodados pela suspeita, até então inédita, de que suas namoradas e esposas possam não ser tão fiéis quanto eles gostariam de crer. Em ambos os casos, dúvidas muito bem vindas para aqueles que não querem que as suas relações amorosas se transformem em obrigações tediosas.

Muitos consideram que as grandes obras são aquelas que denunciam as misérias, opressões e violências sofridas por determinadas categorias humanas, como mulheres, judeus ou pobres. Diante de trabalhos com esta temática, as pessoas podem se sentir indignadas ou mesmo revoltadas contra os poderosos causadores de tais injustiças. Alguns realizadores, como Michael Moore, se imaginam inovadores e promotores de mudanças sociais ao fazer trabalhos que denunciam a corrupção e as mazelas provocadas pelos tiranos do mundo.

As obras que têm como objetivo fazer uma denúncia apontam, para as pessoas que as consomem, os culpados pela infelicidade de terceiros ou delas mesmas. Estas criações trazem a crença que, se eliminássemos os vilões e toda a sujeira mundial, seríamos felizes. Quem assiste a um documentário de Moore chega à conclusão de que bastaria dar um fim a Bush e seus comparsas para se encontrar a paz e a justiça no planeta.

O espectador de tais trabalhos sente-se confortável na sua condição de superioridade moral. O problema é sempre com os outros, a falha ética de terceiros que não resistem às tentações do dinheiro, do consumismo, das drogas, do sexo, da busca sem limites pelo prazer. Os culpados pela destruição ambiental são as gananciosas corporações capitalistas. O responsável pelo baixo nível dos programas de televisão é o público ignorante, mal-educado e que só gosta de coisas fáceis. Com o espectador está tudo bem, os outros é que deveriam mudar. Ele defende uma vida regrada e correta: para viver em sociedade e ser um exemplo para os outros, as pessoas devem castrar os seus instintos prazerosos e animalescos.

Sejam de direita ou de esquerda, antigas ou recentes, as obras que trazem revelações e explicações sobre os males do mundo sempre são queixosas e moralistas.

Mas pode ser que ficar com uma pulga atrás da orelha depois de ver um filme, ler um livro ou assistir a uma peça de teatro seja uma alternativa melhor do que ter indignação, do que eleger culpados.

Uma obra vale se nos tocar, se nos causar incômodos, se questionar as nossas crenças, se nos tirar um pouco o chão. Enfim, se nos trouxer a possibilidade experimentar algum tipo de mudança, que depois do contato com ela nosso mundo seja algo diferente. Em vez de nos colocar como meros espectadores, a obra deve nos incluir, cobrar de nós alguma coisa.

Mas, para se ter questionamentos diante de uma criação alheia, para que seja possível mudar, é preciso saber-se não acabado, não santo, não perfeito. E, principalmente, não interpretar esta falha como um defeito, uma inferioridade ou um pecado, mas como uma liberdade, um convite à nossa participação na invenção do mundo e de nós mesmos, um convite à ação, à criação, ao amor.

Não é uma questão de trocar a culpa de terceiros pela minha, de ser humilde, de ser um católico em confissão. Não há quem possa nos desculpar, nos perdoar. Temos de eliminar a própria noção de culpa. Se haver como o desamparo de não podermos, com precisão, eleger os responsáveis pelo nosso mal-estar. Talvez o receio de se tomar esta posição seja que, ao eliminarmos um outro que seja o causador de nossa infelicidade, eliminamos também a possibilidade de um outro que nos traga a felicidade.

O problema é que os queixosos, os moralistas e os denunciadores se consomem na expectativa nunca cumprida de um dia viver em um mundo correto e livre de todo o mal. Acreditam que não só a sua insatisfação, mas que também a sua satisfação depende somente dos outros. Ficam esperando eternamente e terminam infelizes. A felicidade é apenas uma promessa que não chega.

Os desamparados de alguém que seja responsável pela sua infelicidade ou felicidade podem pelo menos se perguntar: como é que, não sendo Vicky, nem Cristina e nem morando em Barcelona, eu posso ser feliz?

4 comentários:

alberto disse...

belo texto, bela reflexão. muito bacana! guzik

Márlio Vilela Nunes disse...

Obrigado Guzik. Fico feliz em ter vc como leitor. Apareça sempre. Abraço

Andréa Renda disse...

Márlio,

Há quanto tempo ...

Muito interessante as idéias publicadas aqui.
Gostei particularmente do texto sobre o amor, ainda que este revele experiências e sentimentos vividos em terceira pessoa.

O rir de si mesmo, a beleza das imperfeições e constatar que a realidade acaba sendo melhor que o melhor dos sonhos, demora, mas a gente aprende.

Um beijo

Márlio Vilela Nunes disse...

Olá Andréa, bom te encontrar por aqui. Obrigado pelo comentário, a gente aprende essas coisas praticando mesmo. Apareça sempre. Beijo