quinta-feira, 12 de novembro de 2009

SE QUISER, EMAGREÇA POR EMAGRECER

Conheço várias pessoas angustiadas com o próprio peso que estão sempre seguindo uma nova receita para emagrecer. Mostram-se entusiasmadas no começo, cheias de esperança que desta vez a coisa vai dar certo. Todas têm na ponta da língua as razões para provar que a nova dieta é cientificamente mais avançada que as outras que fracassaram por se basearem em conhecimentos que se descobriram ultrapassados ou errados.

Na fase inicial, os crentes da receita da moda são insensíveis a qualquer argumentação que lhes questione o porquê de acreditar que a dieta atual não terá em breve o mesmo destino que as anteriores. Os resultados positivos logo nos primeiros dias aumentam ainda mais o ânimo e a devoção ao novo esquema de perda de peso: dois quilos em uma semana, em pouco tempo chegarei ao meu peso ideal!

Mas na próxima semana a perda de peso é menor e mais reduzida ainda na semana seguinte. Então vem a frustração, o entusiasmo começa a vacilar, o seguidor da dieta passa pouco a pouco a ser menos rigoroso no acompanhamento das regras receitadas. O relaxamento vai aumentando com o tempo até o completo abandono. Normalmente, diante do desencanto, em um período curto a pessoa recupera o peso perdido ou mesmo ganha uns quilos a mais. Fica resignada com a sua obesidade até que novas crenças anunciadas com estardalhaço na mídia recuperem sua esperança e todo o ciclo recomece.

Outras, mais práticas e eficientes, cansadas da conversa fiada que só serve para vender livros e deixar ricos seus autores, partem para medidas de resultado mais garantido. Por conta própria, por recomendação de amigos ou muitas vezes com a ajuda médica, começam a fazer uso de variadas formulações químicas. À base de inibidores de apetite ou estimulantes do metabolismo, elas permitem que a pessoa faça o que ela não acredita que seja capaz de realizar sozinha: comer menos e gastar mais energia.

Elétricas e sem apetite sequer para uma folha de alface, em poucas semanas os usuários das “fórmulas” perdem o excesso de gordura indesejado ou até mais. Mas, para poder manter o resultado, é necessário seguir com o uso da medicação por um período indeterminado e isto tem seus os custos. A pessoa pode apresentar alterações de comportamento, ficar desanimada ou ansiosa, ter dificuldade de concentração, prejuízos nas relações sociais, familiares, na escola ou no trabalho. Com o tempo pode ser necessário o aumento da dose das substâncias químicas para se ter o mesmo efeito inicial, o que potencializa as chances de ocorrência de problemas colaterais.

Na prática, a pessoa em uso de formulações para emagrecer acaba por ter de deixá-las de lado com o tempo. No famoso efeito sanfona, logo se volta à convivência com os odiadas gordurinhas e com as velhas roupas de numeração maior prudentemente guardadas no armário.

Nos últimos anos, como última e radical solução diante das dificuldades e fracassos para a perda de peso, obesos de variados calibres cada vez mais têm optado por cirurgias que reduzem a capacidade estomacal e/ou intestinal. Normalmente, os que se submetem a tais procedimentos são forçados a diminuir drasticamente a ingestão de alimentos. De uma forma geral, os resultados tendem a ser satisfatórios em relação à perda de gordura. Alguns operados, entretanto, desenvolvem efeitos indesejáveis, como outras compulsões que não por comida, ansiedade, depressão (existem pesquisas que relatam aumento no número de suicídios entre estes pacientes), alterações de personalidade, etc. Uns, para desespero de incrédulos médicos, encontram maneiras de burlar as limitações alimentares impostas pela cirurgia e conseguem voltar a ganhar peso. A capacidade humana de se boicotar surpreende qualquer bom senso racional.

O que vemos em todos os casos descritos acima é a completa incapacidade de, por conta própria, sem estímulos exteriores e apenas pelo esforço pessoal, se conseguir perder peso e se manter magro.

A pessoa que quer perder peso parece trazer a crença de que ela é incapaz de emagrecer sozinha. Acha-se, no fundo, uma gorda irrecuperável, uma irresponsável que não consegue resistir à tentação das comidas calóricas e da preguiça. Fornece quilos de desculpas para tentar justificar a sua incapacidade de comer de outra forma e fazer atividades físicas: não tem dinheiro (dieta e academia custam muito), não tem tempo, tem personalidade fraca, o metabolismo é mais lento, a genética é desfavorável, os problemas da vida não deixam, etc.

Como a responsabilidade pelo peso acima do desejado não é da pessoa, o caminho para emagrecer também não depende da sua vontade pessoal, mas de fatores que lhe são externos: arrumar mais tempo e dinheiro, encontrar uma dieta que não exija muito, fazer terapia, tomar remédios ou, quem sabe, no futuro poder modificar a sua genética. E enquanto não se consegue estas coisas, é melhor se acostumar com a gordura, com as desvantagens de se ter este defeito.

E se emagrecer for uma cobrança imprescindível, faz-se a redução de estômago e fica-se magro à força. O operado, diante da sua nova silhueta, pode se sentir como alguém castrado: conseguiu chegar ao padrão exigido de peso, mas, para isto, lhe foi tirada a satisfação de comer muito. É como se um fumante inveterado fizesse uma cirurgia que lhe impedisse de colocar o cigarro na boca.

O que sonha todo aquele que se vê com o peso acima do desejado é poder ser como aqueles que foram abençoados pela magreza: não ter este fraqueza, esta doença, esta tentação pela comida e pela preguiça.

O gordo imagina a pessoa magra como uma santa, alguém sem as suas carências mundanas. Ele se acha inferiorizado, se sente moralmente ou biologicamente (que não deixa de ser um padrão moral atual) menor que os magros.

A pessoa obesa idealiza que só se sentirá realizada após se livrar dos quilos a mais . Quando for magra, será mais bonita, mais confiante, mais atraente e terá mais sucesso. Por fim, será mais amada e por isto mais feliz.

O gordo também tem a crença de que a comida mais gostosa é a mais calórica. Acredita, do mesmo modo, que uma vida sedentária é muito mais prazerosa do que ficar se movimentando por aí. Ele faz fé no dito popular de que o que é proibido é mais gostoso.

Para sustentar estas crenças, o obeso tem uma relação de culpa com aquilo que acredita ser a sua satisfação. Normalmente come rápido, de forma impulsiva, não saboreia o alimento. Depois sente remorso, arrependimento. A comida só é maravilhosa a distância, no pensamento, na lembrança proibida. No momento em que a tem à sua disposição, passa-se por ela com pressa, com ansiedade, sem poder curti-la. Ficar parado também só é uma felicidade enquanto tem alguém no seu pé lhe cobrando mais ação.

A pessoa gorda idealiza quem é magro e idealiza a comida e a pouca atividade física. Se por acaso encontrar a magreza ou a comida e a inércia, não consegue os usufruir.

Para se manter uma idealização, é necessário mantê-la distante, inalcançável, proibida. Não é permitido ao gordo o prazer pela comida ou ter um corpo magro. Ele está condenado à insatisfação. Vai ser sempre alguém inferior, vai estar sempre fora da festa. Nunca será amado como os outros. Permanecerá infeliz para sustentar um ideal de felicidade. Para acreditar na possibilidade de uma satisfação completa, faz da mudança uma impossibilidade: sou gordo e não tem jeito de mudar.

Talvez, para quem quer fazer da mudança uma possibilidade seja preciso saber que, ao contrário da fé obesa, a impossibilidade está na satisfação plena. Podemos ser magros como Gisele Bündchen , comer toda a comida do mundo ou ficar o dia todo deitados na sombra que não seremos completamente felizes.

Não é necessário esperar pela magreza para poder ser feliz. Não é preciso alcançar uma cintura fina para poder estar satisfeito consigo mesmo, para poder se sentir mais confiante, mais atraente. A pessoa pode gostar de si na condição de incompleta, usar o que tem e não ficar valorizando uma ilusão do que lhe falta. Assim, alguém pode até emagrecer, mas não para ser feliz: emagrece porque já é feliz. Uma felicidade sem um ideal, sem um fim. Uma satisfação de fazer uso do seu desejo incompleto, de estar sempre em movimento. Saber que mais importante do que ficar esperando ser amado é amar.

Sem um ideal para atingir, emagrecer deixa de ser uma obrigação, um dever social para alguém ser bem aceito. Comer alimentos menos calóricos e fazer atividades físicas deixam de ser um sacrifício e podem se tornar uma escolha prazerosa. Um prazer não está no fim, em ser querido, mas em se cuidar, em amar.

Quem está acima do peso costuma associar a sua imagem pessoal à sua condição física: eu sou o gordo. Não espera que ninguém o trate fora deste lugar. Não acredita, por exemplo, que um outro possa ser apaixonar por ele. Se por acaso alguém mostra interesse, ele reage: não está enxergando, eu sou gordo, feio, uma baleia, faça o favor de me ver assim. Talvez, a melhor descoberta para uma pessoa gorda é saber nenhuma característica física (ou mesmo social) que possuímos dá conta de responder sobre quem somos. Que nenhum atributo que temos nos traz a garantia de sermos amados. Que podemos contar apenas com o nosso desejo, com o nosso amor.