quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

ACONTECEU EM WOODSTOCK

Ao assistir ao novo filme de Ang Lee, Aconteceu em Woodstock, fui tomado por um pensamento esquisito: no passado, o mundo era mais moderno. Talvez não o mundo todo, mas, especificamente, alguns acontecimentos como o Festival de Woodstock. Esta mesma percepção me veio recentemente ao ver, no YouTube, entrevistas com Elis Regina e Nelson Rodrigues (todas realizadas em plena ditadura militar) e, em DVD, o longa de John Huston, Freud Além da Alma, lançado na década de 60 do último século.

Fiquei me questionando se não seria saudosismo meu, uma crença muito freqüente, principalmente em pessoas mais velhas, de que o mundo era mais feliz no passado. Mas o meu sentimento não era de saudade e sim de estranhamento. Uma sensação um pouco confusa de que o passado era o futuro, um tempo que ainda não havia chegado. É como se hoje vivêssemos em um momento que, apesar de ser posterior temporalmente, fosse pré-Woodstock, pré-Nelson Rodrigues ou pré-Freud.

O filme de Ang Lee não me pareceu ser uma boa recordação de um acontecimento que ficou no passado, mas sobre algo que permanece novo.

O estranhamento de que algo que já aconteceu possa ser mais moderno do que o presente em que vivemos vem do fato de que a aparência nos mostra o contrário. Percebemos nosso mundo atual bem mais avançado que os anos 60 e 70 do século anterior. Nossos carros, nossos edifícios, nossos recursos médicos, nossos aparelhos de telefone, nossos cinemas 3D, nossas novas formas de comunicação, enfim, todas as tecnologias avançadas de que dispomos parecem afirmar a modernidade do nosso tempo.

E não é só em termos tecnológicos que temos a impressão de viver em uma era mais madura, mas, também, ideologicamente. As crenças e ilusões de Woodstock teriam se mostrado velhas com o tempo. Hoje, a possibilidade de um mundo livre de guerras, sem governos autoritários e em que não haja divisões hierárquicas entre as pessoas, soaria como uma bobagem infantil. Os seres humanos seriam por essência ruins, precisaríamos ser vigiados e controlados para não nos destruirmos. Esta seria uma verdade definitiva, imutável.

Mas Ang Lee pode ter enxergado um Woodstock além das aparências tecnológicas ou ideológicas. Um evento que seguiria moderno. Uma modernidade que talvez esteja além das formas, além do tempo, impossível de sofrer desgaste pelo passar dos anos. Não um modelo ou uma receita de como deve ser o mundo, mas um exemplo de que se pode transformá-lo. Que é possível que algo de novo surja no horizonte de nossas vidas. Que o valor está nesta possibilidade de mudança e não no que nos transformaremos, no fim em si. Só existe um fim: a morte, a não existência. Para seguirmos vivos, existindo, é necessária a incompletude permanente. E ela demanda a possibilidade de nos transformarmos, de podermos sair de nossos confortos imaginários e seguir adiante enfrentando o desconhecido infinito do universo.


Deste modo, o novo é aquilo que não se inscreve no tempo e, portanto, pode estar no passado, no presente ou no futuro. O moderno não é usar uma roupa, um cabelo ou um estilo assim ou assado. As experiências artísticas de vanguarda do último século que romperam com todos os padrões e o próprio capitalismo que transforma todas as aparências em mercadorias (vide o que foi feito de Che Guevara) esgotaram todas as possibilidades de que o novo esteja na imagem de alguma coisa. As aparências envelhecem.

Como é impossível alcançarmos um mundo perfeito, a demanda de que uma transformação, ou uma revolução, só tem valor se nos conduzir ao paraíso é uma exigência que tem por objetivo apenas justificar o imobilismo, a crença no não tem jeito de mudar. Se esperamos o impossível, ficamos paralisados.

O trabalho de Ang Lee não desqualifica Woodstock por não ter sido um experiência perfeita. Não diz que o festival foi em vão, que foi uma bobagem que envelheceu ou caducou. Pelo contrário, faz da imperfeição uma delicada comédia e, assim, presta uma leve e elegante homenagem a Woodstock. Não teria o mesmo efeito se tivesse optado por um tom sério, saudosista ou de denúncia (imagino como seria o mesmo evento filmado por outro diretor, como, por exemplo, Oliver Stone).

O filme mostra o imaginário comum sobre o festival, mas vai além dele. Coloca o lado comercial, tira sarro tanto dos conservadores quanto dos libertários da época . Ambos, moralistas e doidões, provocam risos na plateia. E nenhum lados é apresentado como certo ou errado, não há uma disputa ou confronto ideológico. Todos parecem apenas humanamente desamparados.

Juntamente com o ar irônico, o diretor resolveu contar o festival focando na história pessoal de um de seus personagens: um rapaz que se sente aprisionado aos pais por uma dívida amorosa e que, no final, consegue se libertar e seguir o seu desejo. Quem sabe, aí, pudéssemos perceber melhor o que ficou de Woodstock, qual o seu legado além da sua apreensão imaginária vendida às massas.

Woodstock pode não ter transformado o mundo, mas pôde modificar uma pessoa. As revoluções, talvez, não sejam eventos de massas que precisam ser guiadas por um líder, mas acontecimentos individuais e solitários.

O foco do diretor não é colocado tampouco na parte musical do festival; nenhuma apresentação é mostrada. O personagem principal, nas três tentativas que faz, não consegue chegar perto do palco. Não há um fim, só uma trajetória. Mas, mesmo assim, a experiência de Woodstock foi fundamental para o rapaz ao lhe permitir uma transformação. Ao contrário do personagem do produtor do festival que considerou o evento bonito por ter sido um grande negócio comercial, o personagem principal viu a beleza no que Woodstock lhe trouxe de novo.

O filme de Ang Lee pode causar em quem o vê o mesmo acontecimento que Woodstock trouxe para o personagem principal e seu pai: a sensação de uma mudança individual, de uma revolução que nos enche de vida.

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