quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

INVEJA

Faça um teste da próxima vez que estiver dividindo uma mesa com amigos, familiares ou cônjuges. Comece a falar entusiasticamente de alguém ou alguma coisa que goste muito. É bem provável que, logo após os primeiros elogios, um dos companheiros de conversa lhe interrompa e coloque uma objeção em relação ao que está sendo enaltecido. Outro colega pode mudar de assunto demonstrando pouca atenção por aquilo que você está dizendo. Outro, ainda, pode se intrometer na sua fala, passando a relatar os seus próprios gostos e interesses. Uma das coisas mais incômodas em uma roda social é perceber que os olhos de um dos seus membros estão brilhando em demasia. Você e o seu entusiasmo devem ser imediatamente anulados. Como é difícil sustentar a paixão diante dos outros!

Mas, caso não queira se expor e virar alvo do ataque dos outros, em vez de elogiar, você pode fazer uma crítica sobre o sucesso de alguém em determinada atividade. Diga que tal atriz só conseguiu o papel na novela porque foi para a cama com o diretor ou que ela é bonita, mas é fútil. Fale que certo milionário é um babaca que só pensa em dinheiro e que ele só conseguiu ficar rico porque foi desonesto. A conversa vai se animar e você terá a concordância e o respaldo da turma. Como é fácil despertar a solidariedade sendo invejoso!

Quando uma pessoa se mostra cheia de amor por alguma coisa, ela aparenta ter algo a mais que os outros. Deste modo, ela dá a impressão de estar se destacando dos demais, de estar fugindo da rotina, das normas e dos padrões. A reação do meio é exigir o retorno dessa pessoa para a média geral, para a mediocridade normal. E, para se anular a paixão, o esquema mais comum é despertar um temor no apaixonado, geralmente sob a forma de uma ameaça: Você não está pensando direito. Você está se iludindo. Você está fazendo a escolha errada. Você vai se dar mal assim. Você vai acabar só. Se não funcionar, passa-se para a acusação direta, fazendo-se do encantamento um erro, um pecado ou um crime: Você é prepotente. Você é arrogante. Você está se achando. Você só pensa em si. Você não tem consideração pelas pessoas. Você faz qualquer coisa, não tem escrúpulos, porque se julga melhor que os outros. Você vai ser punido por isso.

Embora se considere, habitualmente, que a inveja seja um desejo de se ter uma coisa que outra pessoa possui, sua característica mais evidente é a acusação do invejado: ele (ou ela) só teve sucesso porque foi pilantra. O invejoso se considera alguém bom e seguidor das regras enquanto o invejado é um vilão sem caráter. Ele declara que só não tem o que o outro conquistou porque não é mal. No fundo, se sente uma vítima e adora dizer que o mundo é injusto e que somente os crápulas se dão bem.

Talvez a inveja seja um dos grandes motores da sociedade. Quantas revoluções não teriam sido feitas impulsionadas por esse sentimento: a inveja em relação à aristocracia levou a burguesia ao poder e inveja em relação à burguesia levou o proletariado ao governo de alguns países. E, mais recentemente, a inveja em relação à classe média americana fez proletários de todo o mundo também sonharem com carros modernos e telefones celulares de último tipo.

Como dissemos, a inveja sempre traz uma queixa sobre o invejado. Burgueses acusavam aristocratas e proletários acusavam burgueses. Mas, e a classe média ocidental, ninguém acusa? Até pouco tempo atrás, somente líderes proletários decadentes, como Fidel Castro, ou radicais religiosos, como Bin Laden. Hoje, entretanto, é cada vez mais forte o clamor ecológico de que o consumismo desenfreado está causando a destruição do nosso planeta. Temos de conter os impulsos da classe média que agora é globalizada.

Ao longo da história, podemos perceber que atitudes condenadas em determinadas épocas passaram, com o tempo, a ser incorporadas como um padrão geral e aceitável. Provavelmente, fruto da inveja que os marginais sempre provocaram e provocam nas pessoas. Percebemos isso, facilmente, hoje em dia, em relação aos gostos musicais, vestuário e linguajar de gangues da periferia que são usados, sem o menor pudor, por moças e rapazes bem criados.

Mesmo acusando, consideramos que os bandidos, os vilões de cada época, têm algo a mais, que são mais felizes que os seguidores do bom caminho. Os marginais, por terem violado as regras, por serem imorais ou antiéticos, possuem uma satisfação que eu busco com resignação, sacrifício e sofrimento. Mas, se o mundo fosse justo, eles deveriam ser punidos pelos seus crimes.

A base da inveja é acreditar que aquilo que nos é proibido, aquilo que estamos impedidos de ter, nos faria mais felizes, nos faria mais completos. Enfim, o invejoso crê que é possível sermos totalmente completados, satisfeitos. Mas, como isso é impossível, para mantermos pelo menos a nossa fé na eterna promessa, é necessário ficarmos sempre insatisfeitos: Os que são felizes são maus e serão castigados. Se somos infelizes, os outros também devem ser. Nada incomoda mais nossa depressão que o ânimo dos outros, dessas malditas pessoas apaixonadas.

Como o invejoso adora cortar o barato de alguém, está sempre incriminando a paixão e demonstrando que os amores são ilusões. Se diverte apontando o defeito nas pessoas e nas coisas. Um estratégia fácil, uma vez que nada é perfeito. Mas o efeito que ele causa no invejado é outro: Você não é perfeito, mas alguém é. Como dissemos, o invejoso é um crente da perfeição. Ele critica a ilusão alheia em nome de uma ilusão maior.

É possível que a inveja seja um instrumento da máquina de dar sentido para a vida e para o mundo, um dos mais potentes e atuantes. E é também provável que toda forma de moralismo (tudo aquilo que diz que algo é melhor que outro e que impõe um deve-ser-assim, um certo ou errado) nada mais seja que uma forma instituída de inveja. Uma maneira de se tentar apagar a diferença, a paixão nas pessoas

Existem dois modos de darmos respaldo à inveja e recuarmos na paixão: sendo humildes ou sendo arrogantes. Em ambos os casos, estamos nos enquadrando em um lugar imaginário. Agindo assim, vestimos a carapuça que nos é oferecida pelos invejosos. Se nos damos um lugar definido, se dizemos que somos bons ou ruins, éticos ou imorais, a favor ou do contra, ficamos prisioneiros de um ideal, de uma imagem fechada de nós mesmos, seja ela positiva ou negativa.

Para sustentarmos o encanto, podemos encarar que nenhuma definição dá conta de dizer quem somos, que a nossa incompletude permanente nos impele a uma criação sem fim sobre nós mesmos. Sabermos que não há pensamento, conceito, pessoa ou objeto que nos satisfaça.

Ter paixão não nos faz melhores ou piores, mas nos faz diferentes. E ser diferente é ser incompleto, indefinível. Não é ser louco nem bandido ou santo. Nem vítimas nem vilões.

Amar é que nos faz diferentes uns dos outros: somos o nosso entusiasmo, os nossos amores, as nossas invenções.

Mas, muitas vezes, confundimos amor com inveja. Quantas vezes não tentamos apagar, com os nossos ciúmes e críticas, a paixão de quem dizemos amar. Como é comum nos sentirmos ameaçados quando nossas amadas ou amados começam a ficar cheios de planos, com mais vitalidade ou mais beleza. Tratamos logo de dar um jeito de cortar as asinhas do outro. Fingimos desprezo, fazemos chantagens ou entramos em uma competição boba para mostrar que somos melhores.

Para seguirmos amando, precisamos desistir de querer possuir e dominar o outro. Permitir que aquele que nos desperta amor também ame. Não buscar completar nem ser completado pelo outro. Saber que interessa menos o que amamos, nosso objeto de amor, que o fato de amarmos.

Quando se coloca a satisfação em algo exterior, em um objeto específico e determinado, se desperta a inveja e a competição para ver quem vai ficar com o prêmio. Mas, nesse jogo, acabamos nos sentindo derrotados e excluídos invejando imaginários vencedores e incluídos. Quando o mais importante é o ato de amar, nossa capacidade inventiva sem fim, servimos apenas como um exemplo para o outro. Exemplo de que mesmo não sendo perfeitos ou completos, mesmo sem uma garantia ou um rumo certo, podemos seguir andando, animados, apaixonados.

E, no desamparo do prêmio, mostrar: Eu não tenho algo a mais que você, eu apenas uso o que tenho, eu invento, quem sabe você possa fazer o mesmo.